Um dos trend topics das últimas semanas foi a postura do bilionário Elon Musk (reconhecido por ter fundado a companhia Tesla e por suas excêntricas artimanhas espaciais) que, ao assumir a propriedade da rede social Twitter, dispensou categoricamente grande parte de seus/suas colaboradores(as) e fechou escritórios em todo o planeta sem que houvesse qualquer preocupação com as pessoas envolvidas nestes movimentos. Não bastasse tal atitude, o bilionário ainda aproveitou para ironizar em seu próprio perfil a situação, fazendo posts jocosos e memes, afirmando, ainda, que não se preocupava com as demissões em massa porque acreditava que somente os melhores funcionários permaneceriam e que o Twitter continuava sendo a rede social líder global em acessos.

Uma afirmação dessa natureza pode até aliviar momentaneamente o coração daqueles que tiveram seus empregos salvos dessa movimentação, mas deixa o gosto agridoce de uma toxicidade e de uma insegurança no ambiente de trabalho justamente pelo imaginário de que, a qualquer momento, um(a) deles(as) poderá ser o próximo. Qual é, assim, a motivação para que um(a) funcionário(a) siga entregando seu melhor todos os dias na empresa para a qual trabalha?

A atitude de Elon Musk não é isolada. Ela escancara a realidade da maior parte das empresas nos dias atuais. Quantas foram as corporações que realizaram processos de demissão em massa sem que houvesse qualquer consideração para com os colaboradores? Enquanto escrevia este texto me lembrei de uma Instituição de Ensino Superior que recentemente demitiu seus/suas professores(as) por e-mail. Os casos são infindáveis e as histórias se repetem em todos os setores e em empresas de todos os portes.

A questão a ser trabalhada vai além da perspectiva excêntrica dos dirigentes das empresas no momento do encerramento de um contrato de trabalho. Ela perpassa sobretudo a cultura corporativa de cuidado para com os(as) colaboradores(as) em todos os momentos da relação de trabalhista. Neste caso, independentemente de qualquer forma de contrato (CLT, PJ, etc.), o respeito ao(à) colaborador(a) é sempre essencial. Em um momento em que boa parte da força de trabalho global retoma as atividades com mais propriedade após um longo período pandêmico, o cuidado com a saúde mental de todos(as) deve ser, também, uma preocupação ESG.

A saúde mental dos(as) trabalhadores(as) nunca foi vista como um problema a ser resolvido pelas empresas. O assunto sempre esteve na esfera puramente privada de cada pessoa, que não poderia jamais deixar que suas questões pessoais interferissem em sua performance e, principalmente, nos resultados alcançados. Mas como fazer quando a própria cultura corporativa é a responsável por estas dores psíquicas de cada colaborador(a)?

Recentemente vi um post do psicólogo americano Adam Grant em que ele dizia que em relações tóxicas, uma vez que uma pessoa coloca um limite, ela aparenta ser desleal, ao passo em que em relações saudáveis colocar limites é um ato de respeito próprio. O mesmo acontece com empresas desrespeitosas à saúde mental de seus/suas colaboradores(as). Ambientes marcados pela indiferença quanto às características, qualidades e – também – problemas de seus/suas funcionários(as) e focados tão-somente em sua performance e capacidade de geração de lucro podem até prosperar, mas não contarão com pessoas que vestirão a camisa por um longo período. Somado a este ponto, a imagem da empresa poderá sim ser afetada no médio e no longo prazo, em especial na atualidade, em que a maior parte das pessoas se vale (curiosamente e fazendo um contraponto ao início do texto) das redes sociais para ampliar suas vozes e seus descontentamentos com atitudes que vão na contramão da proteção da dignidade humana no ambiente de trabalho.

Não surpreende que nos últimos dias tenhamos visto movimentações em redes sociais alternativas. Não surpreende também que pessoas que trabalham no setor de mídias sociais tenham repensado até mesmo como será o futuro do Twitter. O que continua nos surpreendendo, contudo, é como conseguimos, ainda hoje, com tanto conhecimento e com tantas vozes importantes dizendo que cuidar da saúde mental dos(as) trabalhadores(as) é importante, vermos posicionamentos que caminham na contramão de práticas ESG e, consequentemente, de uma sustentabilidade do próprio negócio.

Independentemente do resultado deste imbróglio, o importante está nas entrelinhas: cuidar da saúde mental dos(as) colaboradores(as) durante todo o período do contrato de trabalho, com iniciativas internas que comprovem que a performance é importante, mas que não supera a relevância de uma vida saudável física e psicologicamente, são e serão, sempre, medidas de sucesso de uma empresa tanto internamente quanto perante a sociedade.

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Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian é advogada formada pela PUC-SP e mestre e doutora em Direito Internacional pela mesma instituição, com foco específico de pesquisa em Empresas e Direitos Humanos e ESG. Professora Universitária e membro da International Law Association - Ramo Brasileiro. Conselheira da Diretoria da Academia Latino-Americana de Direitos Humanos e Empresas e membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Consultora em ESG e Empresas e DH para empresas e órgãos públicos nacionais e internacionais.