A COP-27 se encerrou há alguns dias, mas muitos aprendizados ressoarão por todo o planeta nos próximos anos. Além de temas clássicos, como a necessidade de regulação mais ampla do mercado de carbono, o alcance das metas de mitigação de emissão de gases do efeito estufa a partir do Acordo de Paris e os projetos globais de adaptação às mudanças climáticas, um assunto essencial ganhou força em muitos dos eventos paralelos: o poder da litigância climática como ferramenta para estabelecer mudanças mais drásticas nos programas de proteção ao meio ambiente de empresas e de governos.

A litigância climática estratégica em si não é novidade. Sua realização se dá especialmente a partir da atividade de organizações da sociedade civil que, a partir de ações judiciais, buscam colocar no banco dos réus e sob os holofotes sujeitos e atores que eventualmente estejam contribuindo com violações de toda sorte ao meio ambiente.

O aspecto essencial e que chama a atenção, neste caso, se volta aos litígios contra governos e empresas que versem exclusivamente sobre os impactos ao meio ambiente provocados pelas mudanças climáticas – que, apesar de se perfazerem em realidade, ainda não são amplamente aceitos por grande parte da sociedade.

Neste sentido, destaca-se estudo da London School of Economics, que apresenta um número superior a mil ações judiciais propostas nos últimos anos e com o foco em mudanças climáticas e impactos ambientais.

Entre os temas pleiteados, greenwashing, deveres fiduciários dos administradores, dever das empresas de respeitar (corporate duty of care) e, mais recentemente, tendências de casos relacionados ao peso da atuação das corporações na chamada transição justa, com a avaliação da postura corporativa de proteção ao meio ambiente em toda a sua cadeia produtiva, correlação da atividade governamental com a empresarial, como no caso de subsídios estatais para empresas de petróleo e gás, dentre outros.

Começam a crescer ações judiciais contra empresas que têm trazido impactos ao clima global.

Não se pode esquecer também o impacto desigual das mudanças climáticas no planeta. É sabido que boa parte das consequências relacionadas ao aumento da temperatura da Terra está tomando lugar nos países que compõem o chamado “sul global” (também comumente chamados de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento).

As ações judiciais, por sua vez, estão deixando de ver fronteiras para chegar até os países do norte. Destacam-se, neste caso, (i) a ação judicial proposta na Alemanha por um camponês peruano contra a maior empresa de energia alemã, a RWE, sob a alegação de que a atuação daquela companhia colaborava com o aquecimento global e consequente derretimento das geleiras andinas; e (ii) a ação judicial proposta por organizações da sociedade civil em corte da Haia, Holanda, contra a empresa Royal Dutch Shell, cuja decisão obrigou a gigante petrolífera a reduzir suas emissões de gases a níveis anteriores a 2019 em função de sua ampla contribuição para com as mudanças climáticas.

Estes são apenas exemplos de casos que proliferarão nas cortes dos mais variados países nos próximos anos. Independentemente de regras de jurisdição de cada país, ou mesmo da compreensão sobre as normas materiais aplicáveis às violações ao meio ambiente, duas questões são certas: a emergência climática é uma realidade com efeitos irreversíveis e os grupos mais vulneráveis buscarão sua proteção contra os desastres ambientais em ações judiciais bilionárias.

Basta saber quem estará no banco dos réus: no caso das empresas, certamente aquelas que não se protegerem em tempo com programas sérios de ESG. Sua empresa está preparada para este cenário?

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Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian é advogada formada pela PUC-SP e mestre e doutora em Direito Internacional pela mesma instituição, com foco específico de pesquisa em Empresas e Direitos Humanos e ESG. Professora Universitária e membro da International Law Association - Ramo Brasileiro. Conselheira da Diretoria da Academia Latino-Americana de Direitos Humanos e Empresas e membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Consultora em ESG e Empresas e DH para empresas e órgãos públicos nacionais e internacionais.