A empresa Americanas S.A. divulgou no último dia 11 de janeiro fato relevante informando a sociedade brasileira que encontrou em seus lançamentos contábeis “inconsistências” da ordem de R$20 bilhões mais informações aqui. A notícia bombástica não apenas fez com que as ações daquela empresa despencassem, mas também levou à queda de seu CEO, Sergio Rial, e de seu CFO, André Covre. Vale lembrar que Sérgio Rial tinha recém-assumido a presidência da empresa, o que prejudicou ainda mais a imagem da Americanas S.A no mercado financeiro e diante dos(as) consumidores(as) dos produtos daquela empresa.

O caso deu o que falar em todos os veículos de mídia. Mas poucas foram as discussões sobre este assunto sob as lentes ESG. Assim, apresentamos neste texto alguns aspectos essenciais que precisam ser considerados à luz desta sigla.

Em primeiro lugar, a Americanas S.A. é empresa de capital aberto e que faz parte do chamado Novo Mercado, este último reconhecido pela Bolsa de Valores brasileira (B3) como segmento de listagem que “reúne as ações das empresas que adotam, voluntariamente, práticas de governança corporativa adicionais às exigidas pela legislação brasileira”. Com relação à pauta ESG, é sabido que a B3 – cada vez mais atenta aos parâmetros internacionais e domésticos de sustentabilidade – tem interesse expresso em, na próxima revisão das regras do Novo Mercado atualmente encontradas aqui, incluir os fatores de responsabilidade social e ambiental o que pode ser visto a partir das declarações de seu presidente, encontradas aqui.

Ademais, outro aspecto é essencial para essa discussão. Os atos praticados pela antiga gestão da Americanas S.A. demonstram possível ausência de preocupação com critérios uniformes de governança, também tão preconizados pela agenda ESG. Neste pilar, e a partir da Teoria dos Stakeholders que explico melhor em meu livro “ESG: Teoria e Prática para a verdadeira sustentabilidade nos negócios – disponível aqui, a consideração dos ativos intangíveis de uma empresa perpassa também a preocupação de sua máxima gestão para com todas as partes envolvidas no negócio. Não foi, assim, o que os gestores da Americanas S.A. fizeram. Ao tentar potencialmente encobrir uma fissura abissal e bilionária em sua contabilidade, a empresa ignorou todos os seus investidores, frustrou clientes que acreditaram no perfil ESG da companhia, não foi transparente com seus stakeholders e colocou em xeque sua credibilidade no mercado varejista como um todo.

A credibilidade que uma empresa transmite aos stakeholders é, indubitavelmente, um dos principais motores de sua sobrevivência na sociedade capitalista. Sendo assim, sob as lentes ESG, uma das perguntas que não quer calar é: se a governança daquela empresa foi capaz de presumidamente esconder tamanha fraude em uma parte corriqueira de suas demonstrações financeiras, como será possível aos investidores acreditar nas informações fornecidas nos relatórios de sustentabilidade e de demais práticas voltadas à proteção ambiental e social?

Este caso nos mostra ao menos em seus primeiros capítulos que a prática ESG e o disclosure de informações de ativos não tangíveis de uma empresa tem relação absolutamente simétrica com os dados financeiros relevantes para o funcionamento de um negócio. E mais: que uma governança efetivamente atenta a esta relação acaba sendo profícua tanto sob o ponto de vista financeiro quanto sob o olhar da sustentabilidade e da boa relação no capitalismo de stakeholders.

Por fim, a lição ficou muito clara: quem pensa que falar sobre ESG é só focar em pautas ambientais e sociais esquece, principalmente, que as duas primeiras só farão sentido com uma governança séria e alinhada aos princípios da ética e da transparência, dois pilares essenciais e que se constituem como pressuposto do “G” de tão famosa sigla. Por fim, ainda que uma empresa tenha ações concretas voltadas à sustentabilidade socioambiental, um problema de governança de tamanha magnitude pode prejudicar ou até mesmo impedir que ações efetivas neste sentido prosperem.

Seguiremos acompanhando este caso, na esperança de que as autoridades competentes averiguem se realmente houve fraude e, em caso positivo, sejam aplicadas as devidas punições, mas também para que o episódio sirva de aprendizado para todas as empresas brasileiras, independentemente de seu porte e de seu tamanho.

 

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Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian é advogada formada pela PUC-SP e mestre e doutora em Direito Internacional pela mesma instituição, com foco específico de pesquisa em Empresas e Direitos Humanos e ESG. Professora Universitária e membro da International Law Association - Ramo Brasileiro. Conselheira da Diretoria da Academia Latino-Americana de Direitos Humanos e Empresas e membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Consultora em ESG e Empresas e DH para empresas e órgãos públicos nacionais e internacionais.