Nas últimas semanas recebi inúmeras mensagens de clientes, seguidores(as) e alunos(as)

pedindo que eu comentasse o vídeo que viralizou nas redes sociais sobre o tratamento que a empresa chinesa do ramo têxtil Shein dispensa aos seus funcionários.

Jornadas exaustivas, salários praticamente inexistentes e a pressão constante para que a entrega de novos produtos ao site seja diária faziam parte do curto vídeo tão comentado.

De fato, fazer lives, reels e stories sobre isso ou posts infindáveis poderia ser ótimo sob o ponto de vista de engajamento nas redes sociais (inclusive vi uma série de “influencers”, que nada sabem sobre o assunto de maneira profunda, se aproveitando da situação e falando sobre o caso como se fossem grandes experts). 

Mas, quando o assunto mora no mundo da moda, o buraco é muito mais embaixo. Isso porque as transgressões perpassam não somente o “S” da sigla ESG. Outros abusos

igualmente graves convivem com as violações aos direitos humanos dos colaboradores diretos e de toda a cadeia produtiva, tais como a natural destruição ao meio ambiente decorrente do uso desenfreado de pesticidas para a produção de algodão, o desperdício de toneladas de litros de água para a produção de roupas de má qualidade que, muito em breve, formarão nos desertos (como o deserto do Atacama, por exemplo) dunas de peças de vestuário descartadas e perdidas para sempre.

O caso Shein também é sobre nós, consumidores e investidores.

E por que não vou falar sobre a Shein? Porque o problema não é só dela. Mesmo que a aludida empresa se encaixe em um novo conceito para a moda, o do ultra fast fashion (ou seja, algo ainda mais célere que o chamado fast fashion, em que as trocas de coleção só não se dão de forma mais rápida que a velocidade da luz), ela não está sozinha na lógica de destruição ambiental e social, bem como na contramão da sustentabilidade.

O texto de hoje é para falar do conceito por trás da existência do setor como um todo, independentemente da produção rápida, do valor das roupas vendidas ou de uma ou outra marca específica.

O que é mais desconcertante neste caso, contudo, é que muitos(as) de nós sabemos de tudo isso. Já vimos os famosos documentários nos canais de streaming, já lemos sobre o assunto em muitas mídias, temos clareza de que muitas das peças de roupa que compramos figurativamente pingam sangue. 

Mas seguimos comprando. E comprando. E comprando mais um pouco. Tanto é que, duas semanas após o famigerado vídeo se tornar viral, nos deparamos com notícias na mídia de que a abertura da loja física da Shein no Brasil foi marcada por grandes aglomerações de pessoas que literalmente se debatiam para conseguir acesso àquele estabelecimento.

Outro dia, li um texto de um famoso defensor de práticas ESG que dizia que ESG “de verdade” só acontece quando as empresas passam a mudar seus posicionamentos, e que clientes da geração Z hoje são mais conscientes e compram de marcas que dizem que protegem o meio ambiente e não têm trabalho escravo.

Fui pesquisar as marcas que ele mencionou no texto e praticamente todas elas ou tiveram ou têm casos de violação a alguma das letras que compõe o ESG. Sendo assim, me pergunto: onde esses(as) jovens estão vendo que as empresas são sérias? Ainda nas redes sociais?

Temos hoje mais consciência sim sobre a necessidade de sermos sustentáveis em nossas compras de roupas e reconhecemos a existência dos abusos trabalhados lá em cima. Mas não veremos mudanças substanciais enquanto nós, como consumidores(as) (e investidores, nunca nos esqueçamos disso), demandarmos que os produtos que consumimos venham com informações de absoluta transparência, satisfazendo tanto o nosso desejo por comprar peças novas, quanto por saber que nosso consumo não está trazendo impactos irreversíveis ao meio ambiente e à vida e à saúde mental de muitos trabalhadores.

Enquanto não reconhecermos nosso poder como força consumidora teremos dificuldade em ver o “ESG de verdade” sair do papel e, mais que isso, seguiremos viralizando com vídeos que retratam mais e mais violações.

Não vim, assim, falar sobre a Shein. Vim falar sobre você. Qual é a mudança que você, consumidor(a), vai fazer depois de assistir a estes vídeos e ler este texto? O poder transformador está, literalmente, em suas mãos.

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Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian é advogada formada pela PUC-SP e mestre e doutora em Direito Internacional pela mesma instituição, com foco específico de pesquisa em Empresas e Direitos Humanos e ESG. Professora Universitária e membro da International Law Association - Ramo Brasileiro. Conselheira da Diretoria da Academia Latino-Americana de Direitos Humanos e Empresas e membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Consultora em ESG e Empresas e DH para empresas e órgãos públicos nacionais e internacionais.