Quem será beneficiado(a) com todo este amplo arcabouço de informações (algumas boas, outras não tão boas assim)?

Este texto é gestado no momento em que, nas abas do computador desta que vos escreve, são encontrados mais de vinte sites com informações sobre webinars, seminários, textos, relatórios, vídeos, podcasts e materiais nacionais e internacionais diversos sobre a sigla que tanto tem abalado o mercado nos últimos tempos: ESG. Nunca se viram tantos fóruns de discussão sobre a temática, tantos(as) especialistas sobre o assunto, tantas vagas de emprego e até cursos nesta que se tornou uma corrida para ver quem implementa primeiro suas políticas, demonstra ser expert no assunto e aumenta seus lucros por surfar na onda da sigla da moda.

Observo estes movimentos com um misto de felicidade e preocupação. Felicidade porque, para quem está há mais de dez anos nessa trajetória, há uma ponta de esperança de que finalmente o universo corporativo (brasileiro e internacional) passe a observar os ditames de Empresas e Direitos Humanos implementados desde 2011 pela ONU, estabelecendo as bases para que essa agenda cresça de maneira profícua. Preocupação, porque muitos dos cursos, podcasts, webinars e e-books reproduzem sem profundidade o já visto em tantos relatórios de sustentabilidade – que, muitas vezes, não correspondem à realidade cotidiana da empresa – em outras palavras, uma nova veste para antigas práticas para inglês ver.

Nessa verdadeira maratona ESG, tenho notado bons exemplos, mas também algumas falhas. Este “ESG” tão pregado por tantos(as) é, afinal, para quem? Quem será beneficiado(a) com todo este amplo arcabouço de informações (algumas boas, outras não tão boas assim)? Estamos falando de medidas que se restringem apenas aos prédios ou andares em que se encontram os escritórios centrais da maioria das empresas? Quais serão os verdadeiros impactos da implementação de tão falada sigla para a sociedade como um todo? Estamos fazendo um trabalho completo ou apenas nos restringindo ao olhar interno para alcançar os grandes players que deram início a este movimento? Apesar dos bons exemplos encontrados, é imprescindível endereçar estas falhas enquanto estamos no começo dos trabalhos.

É evidente que este texto aborda apenas aspectos gerais, sobretudo porque a implementação séria de programas de proteção ambiental, social e de governança demanda um olhar individualizado e setorial – o que apenas uma boa consultoria é capaz de fazer. Contudo, os pressupostos aqui trazidos prezam por um olhar holístico por parte das empresas não apenas para que elas também façam parte dessa nova “onda ESG”, mas que consigam efetivamente fazer frente ao pressuposto de implementação de uma nova visão para os negócios e para a sociedade como um todo.

Quanto ao olhar para o “E”, não basta apenas a preocupação com os riscos da atividade desenvolvida (para setores de alto impacto ambiental) e medidas de reflorestamento e doações a entidades de proteção ao meio ambiente como forma de compensar eventuais gastos, no caso de setores que não tenham o aspecto ambiental como centro de suas atividades. A preocupação ambiental deve perpassar a ideia de que todos(as) somos responsáveis por temas como mudanças climáticas e aquecimento global para além do aspecto interno ou filantrópico, bem como partir de iniciativas simples e individuais que, muitas vezes, contribuem para problemas de natureza ambiental de maior grandeza.

O diálogo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável também pode e deve ser visto à luz de um olhar particular, sob a perspectiva de que é o conjunto de iniciativas singulares que molda uma cultura de diferenciação e proteção. Repensar o “E” independentemente do setor é medida de rigor e realidade que se impõe. E este olhar deve, também, se estender a fornecedores, parceiros e investidores. Como os parceiros estão olhando para as questões ambientais? Há alguma diretriz interna neste sentido?

Sendo o “S” voltado às pessoas, repensar o social de forma ampla é essencial. Para empresas que dependam de cadeias produtivas ou mesmo de parcerias com outros players, falar sobre diversidade não é algo que deva se restringir apenas aos corredores internos dos escritórios centrais. Quantas são as corporações que informam contratar mulheres, negros, pessoas com deficiência e grupos LGBTQIA+ (e muitas que amplamente divulgam essas informações como se este fosse um amplo acontecimento midiático – e não mais que a obrigação), mas investem em terceirizadas ou mesmo em outros parceiros comerciais que violam reconhecidamente direitos sob um olhar interseccional? A cultura que se impõe não deve ser somente interna.

Ter um board mais diverso deve, obrigatoriamente, perpassar iniciativas mais diversas ao corpo de funcionários, aos(às) consumidores(as) e àqueles(as) que compõem toda a cadeia produtiva, independentemente da existência ou não de regras mandatórias nesse sentido (as famosas regras de due diligence, discutidas mais amplamente no momento no cenário internacional).

Precisamos superar contratações apenas porque as políticas corporativas foram objeto de crítica em mídias sociais a partir de falas em programas de televisão ou para agregar ao time conhecimentos e engajamento de marketing. E este deve ser apenas o começo, dado o vastíssimo espectro que circunda essa letra componente da tão famosa sigla.

Por fim, práticas de governança que não se adequem aos dois olhares supramencionados não terão a efetividade e a eficácia necessárias. E aqui não falo apenas do famoso termo “compliance em direitos humanos” (termos e siglas do momento que trazem novas roupagens às práticas do segundo pilar dos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos). Governança pressupõe o controle aos olhares internos e externos de implementação séria de programas de ESG – ou seja, com métricas para o dia-a-dia dos escritórios centrais e para os parceiros, investidores, fornecedores e terceirizados. Métricas e avaliação constante de resultados são peças-chave e conhecidas, mas apenas terão a eficácia desejada para o sucesso interno se também dialogarem com o sucesso social.

A famosa frase de que devemos ser a mudança que queremos ver no mundo não diz respeito apenas às mudanças internas, tímidas, e que ressoam de forma retumbante nas mídias sociais e nas mais variadas plataformas de streaming. Agir com o olhar ampliado para as demandas da sociedade a partir da implementação da sigla ESG é o que garantirá o sucesso corporativo não apenas perante os investidores e o grande público, mas também – e principalmente – em escala global. Se vamos investir na implementação da sigla, façamos este caminho da melhor e mais séria maneira e para que o alcance seja não “para quem”, mas sim “para todos(as)”. E ainda dá tempo de aprender a fazer direito.

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Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian é advogada formada pela PUC-SP e mestre e doutora em Direito Internacional pela mesma instituição, com foco específico de pesquisa em Empresas e Direitos Humanos e ESG. Professora Universitária e membro da International Law Association - Ramo Brasileiro. Conselheira da Diretoria da Academia Latino-Americana de Direitos Humanos e Empresas e membro da Global Business and Human Rights Scholars Association. Consultora em ESG e Empresas e DH para empresas e órgãos públicos nacionais e internacionais.